domingo, 29 de julho de 2007

"Uma nova cultura no movimento estudantil latino americano", por Tiago Alves do CUCA

Ao final da década de 1990, o movimento estudantil brasileiro viveu período de profunda reflexão e auto-crítica na sua forma de atuação, caracterizado por mudanças em seus fóruns de discussão e uma outra maneira de pensar a sua organização. Pode-se dizer que a particularidade mais marcante de tudo isso foi a construção de uma nova dinâmica de ação no campo da cultura.

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Essa foi uma das marcas da atuação da entidade, que uniu ainda mais a juventude brasileira e ao mesmo tempo diversificou e oxigenou as ações dentro da UNE, que unitariamente representa, mais de 4 milhões de universitários.
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Em 70 anos de história a relação entre cultura e movimento estudantil no Brasil, foi por vezes interrompida, por vezes estimulada, mas quando consolidada aproximou a entidade dos estudantes. Prova disso é que desde o seu segundo congresso em 1938, o tema já despertava interesse, tendo nos documentos daquele encontro, lugar de destaque.
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Já na década de 40 e através, principalmente do teatro, a entidade passou a ter um trabalho organizado com a criação do TPE (Teatro Paulista dos Estudantes), de diversos festivais estudantis por todo o país e de uma relação intensa com intelectuais e artistas, tendo Paschoal Carlos Magno, como seu principal incentivador.
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No início dos anos 60, a UNE foi precursora de um dos mais importantes movimentos culturais do país. O Centro Popular de Cultura, o lendário CPC, animou a cena artística brasileira com novas experiências no campo da pesquisa e da produção. Dele participaram nomes como Cacá Diegues, Oduvaldo Viana Filho e Carlos Lyra.
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Os "anos de chumbo" assolaram o Brasil durante 20 anos, período este que a entidade passou um longo tempo na clandestinidade, prejudicando seu trabalho nacionalmente, mas os militares não conseguiram impedir que dentro das universidades, o debate, a produção e a circulação de bens culturais acontecesse com efervescência. Neste período os cine-clubes, espalhados nas instituições de ensino superior do país, se consolidaram como a atividade principal dos estudantes.
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Com o retorno da democracia e a mudança no perfil e interesse dos jovens brasileiros, o movimento estudantil passou por um momento de readaptação, interrompido momentaneamente em 92 pelo ascenso de massas provocado pelo impeachment do então presidente da república, Fernando Collor. Era preciso representar mais e melhor os estudantes brasileiros.
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Na tentativa de retomar e ampliar ainda mais suas atuações frente a juventude do país, a UNE voltou a cena cultural com vigor em 1999 quando realizou, na cidade de Salvador, na Bahia, sua 1ª Bienal de Arte e Cultura. O maior festival estudantil do Brasil se propunha a abrir espaço para o que estava sendo produzido em diversas áreas (literatura, cinema, música, artes cênicas, artes visuais e ciência e tecnologia) e promover um intenso debate em torno das políticas públicas formuladas para o setor. Participaram da atividade personalidades marcantes como Lenine, Jorge Mautner e o grupo Racionais MC’s.
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O ano de 2001 representa um salto em nosso trabalho, pois permitiu a reflexão de que, mais que promover um evento de dois em dois anos, era preciso criar um instrumento que desse conta de desenvolver um trabalho permanente no cotidiano do movimento estudantil. Na 2ª Bienal (Rio de Janeiro) surgiu um instrumento semelhante ao antigo CPC da UNE, mas com uma roupagem diferente daquela dos anos 60, com a cara dos estudantes de seu tempo: nasceu o Circuito Universitário de Cultura e Arte, o CUCA da UNE. (mais informações podem ser obtidas no http://www.une.org.br/home3/publicacoes/m_4255.html).
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De lá pra cá a entidade não só realiza suas atividades culturais bienalmente, chegando à 5ª edição, em 2007, sob o tema Brasil-África: um rio chamado Atlântico, mas também trabalha para a consolidação do CUCA, que surgiu como instrumento de valorização da cultura nacional dentro das universidades e é também um mecanismo para manter essa produção articulada no intervalo de tempo entre uma Bienal e outra.
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O Circuito tem sua base e gestão no interior do movimento estudantil. Entretanto cada um tem seu estilo e demandas. Com o tempo, o CUCA tem se fortalecido cada vez mais para adquirir sua autonomia administrativa e de gestão, mantendo sempre com a UNE uma ação conjunta e relações estatutárias. No decorrer de sua formação, a iniciativa ganhou corpo, virou Instituto e atualmente integra o programa Pontos de Cultura, idealizado pelo Ministério da Cultura.
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A experiência brasileira deve servir de inspiração para nossa ação no Caribe e América Latina através da Organização Continental Latino Americana e Caribenha de Estudantes (OCLAE). É preciso constituir um grupo de trabalho onde estudantes e artistas possam se sentir a vontade, semelhante ao que o CUCA representa para a UNE: mais que um departamento de cultura das entidades estudantis.
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A experiência também demonstrou que um momento onde estes agentes possam se encontrar é fundamental, daí a necessidade realizar de três em três anos uma atividade que possa reunir aquilo que de melhor está sendo produzido nas universidades de toda América Latina e Caribe.
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Vale destacar que no nosso caso, o trabalho cultural da UNE não representou apenas a mudança mais visível no desenvolvimento do movimento estudantil, e sim, diversas outras iniciativas aconteceram ou estão em andamento, na busca de representar mais e melhor os estudantes. Essa deve ser a grande contribuição da UNE ao conjunto do movimento estudantil continental.
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**Tiago Alves é estudante de Filosofia e do Coordenador-geral do Instituto Circuito Universitário de Cultura e Arte, o CUCA da UNE

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