O músico falou sobre a mistura de regionalismo e recursos tecnológicos, marcas de seu trabalho, e também discutiu a democratização da cultura, as rádios livres como instrumento de descentralização e refletiu sobre o seu conceito de música
A internet é um mundo a parte. Não é a toa que é chamada por aí de "mundo virtual". Este universo abriu uma enorme gama de possibilidades para a produção cultural. Através de um clique pode-se romper fronteiras e democratizar esse bem. No embalo do debate sobre liberdade de conhecimento, o portal EstudanteNet ouviu o cantor, compositor e ativista do movimento social, Silvério Pessoa, que falou sobre rádio comunitária, direitos autorais, livre distribuição e, claro, sobre seu trabalho.
O próprio Silvério, oriundo da Zona da Mata Norte de Pernambuco, filho de Ivete Leal Pessoa, professora de acordeon e Severino Marques Pessoa, motorista de caminhão, caracterizou o seu som. "Minha música é para o meu povo, e nesse contexto eu canto e faço canções pra mudar as pessoas".
O cantor e compositor foi membro do Diretório Acadêmico da UFPE, onde cursou pedagogia. Politizado e engajado, participou de ações junto a UNE e a UBES e se diz próximo do público universitário. "A cada dia tenho a classe estudantil como referência de ideologias e utopias".
Com a experiência de quem está na contra mão da indústria cultural, o músico falou ainda sobre novas formas de veicular o rico trabalho que é desenvolvido no Brasil. "Temos que pensar canais de escoamento dessa produção, mas com incentivos através de uma nova ótica de mercado", afirmou.
Sobre a rádio livre, Silvério foi taxativo. "Acredito que em breve cada site vai ser uma rádio livre, enfraquecendo cada vez mais essa estrutura obsoleta das rádios oficiais". Quando o assunto foi o direito autoral, ele defendeu. "Eu creio que o mercado ‘futuro’, vai ser da desmaterizalização da obra de arte. A arte vai estar disponível em todos os canais de ‘apresentação’ do artista, então a propriedade da obra perderá força no mercado de vendas", disparou.
Confira a íntegra da entrevista concedida ao CUCA da UNE para o EstudanteNet:
A modernidade e a tradição fazem parte do seu repertório de forma muito marcante. Como é a experiência de misturar esses elementos?
Minha música é a síntese de uma história da qual faço parte... Um rapaz que migrou da Zona da Mata Norte de Pernambuco e que levou seu imaginário, seu inconsciente coletivo rural para a metrópole, para a cidade, onde descobriu o que denominam de "desenvolvimento", de "crescimento". A cultura urbana, tecnológica... Essa mestiçagem é para mim meu som! De raízes rurais, country, tradicional, ao mesmo tempo com acessórios tecnológicos, discretos, porém presentes.
Esses acessórios tecnológicos contribuem para descentralização e democratização da cultura?
É um projeto musical, pessoal. Confesso que quando componho, quando penso no resultado que uma canção soará, não planejo diretamente os resultados na matriz cultural, nos investimentos, no mercado... Essa análise vem depois. O que procuro, delicadamente, não fazer é repetir esteriótipos culturais, folclóricos, emblemas obsoletos em um mundo "moderno", ou seja, usar chapéu de couro, gibão, ser contra a utilização de tecnologia nas matrizes musicais, enclausurar a tradição em um invólucro sagrado, que reduz sua ação em âmbito nacional, já que sofremos esse rótulo idiota de regional. Outra coisa é que não sou puro, sou resultado de uma cultura de síntese agrícola-urbana. E atualmente, com 5 anos de tour pela Europa e Ásia, já observo o Brasil de outra maneira: local – planetária – mundial. Meu trabalho tem uma espontaneidade que não sei explicar... Se isso colabora com a possibilidade das novas gerações observarem a tradição com um olhar atual, isso, pra mim, é muito bom pra história do meu povo.
Em relação à história do seu povo que você sempre fala... Qual seu compromisso com a arte? Ou seja, por quê e pra quem você canta?
Primeiro canto para o povo de onde vim, pra minha história... Tenho um compromisso com essa história de onde vem minha família, meus antepassados, índios, europeus, africanos. Canto sem pesquisar, eu sou o que faço. E a arte junto à educação são elementos e formas de expressão que contemplo como ato político. Sem neutralidade política, porém sem panfletos. Outra coisa... A forma política já está inserida nos meus textos, nas vozes que não são escutadas na mídia oficial (rádios, novelas, etc...), no seu cotidiano, nas suas crenças, nos seus desejos... Minha música é para o meu povo, e nesse contexto eu canto e faço canções pra mudar as pessoas... Seja simbólica mudança interior, seja em ouvir a tradição de maneira nova e não saudosa!
Você canta pra muita gente, muitos tipos de público... como é a sua relação com o público universitário?
Eu venho da classe universitária, sempre atuei no DA de Pedagogia da UFPE, participei de projetos em Educação de adultos tendo o método Paulo Freire como base, fiz parte de comitês estudantis da campanha de Betinho, trabalhando em educação de jovens e adultos, atuei na área de educação e cultura do MST, na coordenação de Pernambuco, fui professor do Estado na formação de professores em área rural, auxiliando na capacitação de Universitários e participei das várias ações na Universidade junto a DAs, DCE, UNE, UBES. Não me sinto longe do público universitário. A cada dia tenho a classe estudantil como referência de ideologias e utopias. Também não me sinto longe do magistério. O palco pra mim é uma relação prazerosa e ideológica entre educação, arte e luta por um país melhor.
Nós do CUCA, procuramos fazer a produção circular pelo país... A troca é sempre enriquecedora. No cinema, estamos fazendo o cinejornal, uma forma de divulgar o que se produz nos nossos espaços... Na música, o que você acha que precisa ser feito?
Democracia e socialização dos espaços concedidos às rádios; políticas culturais ostensivas quando uma rádio receber concessão para se instalar em um Estado ou em uma cidade para executar o que se produz na região; formação de grupos de artistas em todas as áreas para discutir, elaborar propostas e ações para que o que se produz no Estado, seja em cinema, literatura, música, moda, etc... encontre um canal de promoção local/nacional. Ao mesmo tempo rever o conceito de produção cultural, propriedade autoral, e distribuição desses produtos via os vários meios possíveis... Em resumo, elaborar novos pensamentos em relação à produção humana, e focar a cultura dentro de um novo mercado, que além de capitalista, possa atuar sobre a perda da aura da obra de arte, parafraseando Benjamin. Nada de Sacralizar a produção cultural! O artista popular adoraria ver seus produtos vendidos, distribuídos, exportados. Temos que pensar canais de escoamento dessa produção sem a perda da "aura", sem produção em série, mas com incentivos através de uma nova ótica de mercado.
E as rádios livres?
Aqui em Recife o meio mais contemporâneo de distribuir uma música é através das rádios comunitárias, sementes ou matrizes das rádios livres. Como comentei, o artista, ou "novo artista", além de ser um empreendedor de idéias, é um criativo por natureza. Ele procura os meios mais significativos e menos óbvios de expor, de expressar seu mundo. As rádios livres apontam para uma nova fronteira sem fronteiras, a sintonia do futuro. Acredito que em breve cada site vai ser uma rádio livre, enfraquecendo cada vez mais essa estrutura obsoleta das rádios oficiais. O Minc já tem laboratórios variados sobre as rádios livres. E o mais contraditório quando se fala em produção e mercado em Pernambuco, principalmente após o movimento Mangue, que continua firme, é que o que se produz não é executado nem promovido em nosso próprio espaço de criação. Ou seja, somos ignorados pelas rádios locais, que recebem autorização para se instalarem aqui no Estado. É uma violência fora do comum para quem não quer utilizar a tabela do Jabá para ser tocado em seus próprios domínios. Por isso que escrevo sobre "política cultural ostensiva"!
E como você vê a questão dos direitos autorais nessa tendência, quando muitas vezes eles impossibilitam a exibição de um trabalho?
Só poderia responder essas questões envolvendo diretamente minha realidade, refletindo o mercado oficial que envolve artistas de diversas áreas. Cada cópia de CD meu nas ruas, ou nos ipods, mp3, cada cópia do meu DVD pelo mundo virtual, ou mesmo nas casas mais humildes, cada canção minha sendo reescrita, refeita, ouvida livremente pelo mundo... é um parceiro que conquisto, é minha forma de promoção. Ao mesmo tempo em que ofereço produtos para o mercado "regular" tenho a maior simpatia e refletimos, eu e minha produção, sobre como promovemos nossas ações. Nesse contexto eu só poderia ser um adepto das idéias que envolvem a livre distribuição e promoção do que produzo. Tenho uma trilha no overmundo e estudamos a possibilidade de disponibilizar meus CDs solos no Creative Commons. Vai ser uma questão de tempo esse mundo novo de socialização da obra de arte. Eu creio que o mercado "futuro" nem sei se vamos alcançar, vai ser o mercado da desmaterizalização da obra de arte. O artista vai se concentrar em expor seja no cinema, seja no atelier, seja no palco. O seu mundo e sua expressão vão ser ali... ouvidos, cores, olhares, sons, luzes, telas, interação... O espetáculo vai ser in loco, a obra de arte vai estar disponível em todos os canais de "apresentação" do artista, então a propriedade da obra perde a força do mercado de vendas. Quem obstacula a circulação do seu produto é porque ou tem vinculação com uma corporação ou não tem total administração do seu produto (como meu caso, que tenho contrato na Europa e Ásia com uma label), no meu caso específico eu não obstáculo a circulação de minha obra, deixando claro para meus distribuidores esse item em contrato. Existe um fazer idéia, de criar... que é próprio.
Vanessa Stropp
(Net repórter)