segunda-feira, 28 de maio de 2007

Hip-Hop chileno propõe reencontro de Salvador Allende com Victor Jara, por Toni C.*

Não foi por excesso de vinho chileno que o hip-hop santiagueiro pretende realizar o reencontro entre e o ex-presidente Allende e músico Victor Jara. Mas antes de contar como pretendem realizar este feito, deixa eu dizer o que estava fazendo e como foi minha recente passagem pelo Chile.
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Santiago, as coordilheiras e poluição
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É Tudo Nosso! (veja o trailler) Já me proporcionou seis dúzias de alegrias, 30 milímetros de tristeza. E mesmo antes de nascer já havia meio quilo de dúvidas e uma certeza: o barato só vale a pena se for utilizado para transformar o mundo! Como a pretensão é monstra, o esforço não pode ser menor.
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Nessas fui para o Chile, aquele país que parece uma tripinha esmagada entre o oceano pacífico e a Argentina. Na bagagem municiado de DVD’s, mó guéla. Mas o detector não deu nada. Azar é u deles!
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Minha missão após concluído o filme, passou a ser retornar para os locais onde É Tudo Nosso! foi rodado e poder projetá-lo, além de entregar para cada personagem do vídeo um exemplar. Nessa tarefa muitos tem contribuído, levando o vídeo para outra cidade, fazendo uma cópia, projetando…
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Tarde de quinta-feira, chego a Santiago. Quem já assistiu o capítulo sobre a Venezuela, viu Lulo MC do grupo chileno Leguayork, que faz parte de uma entidade chamada Agosto Negro. Reivindicam a libertação de Maput, comunidade indigena perseguida por não abrirem mão de suas terras. Entregar um DVD ao Leguayork é uma das metas…
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Santiago é muito parecido com São Paulo, só que menor, a Cordilheira dos Andes está praticamente a vista todo o tempo, mas foi dos bairros mais pobres que tive melhor visão desses “arranha-ceus” naturais. De tão onipresente os moradores se queixam pois os grandes montes não deixam a poluição dispersar. - Poluição? Esses caras não sabem o que é São Paulo!
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Santiago tem metade da população Paulistana, cinco linhas de metrô, que conta com serviço de internet sem fio gratuita, no Brasil temos serviço semelhante, mas nos aeroportos e pago.
Na primeira noite, estive com um grupo de bolivianos, peruanos e chilenos numa taberna de estilo antigo e rústico. O lugar era repleto de rockeiros, punks e motoqueiros. Comi uma espécie de pão com bife friu, prato típico daqui. Aprendi que enquanto no Perú vivía o líder Inca Tupac Amarú, Na Colombia existiu outra líderança indigena de tragetória semelhante conhecido como Tupac Katari.
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De lá surgiu uma revolta que levou milhões de estudantes chilenos para as ruas, o que ficou conhecido como revolução pinguina, em alusão ao uniforme escolar, camisa branca e casaco azul marinho.
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Grupos cantavam e tocavam Kjarkas, musica popular boliviana. Em meio a essa diversidade de plumas e tocas de lã, cachicol e agasalhos para espantar o friu repentino noturno desta época do ano. Um cara grandão, de cabelos longos, da banca desses rockeiros, todo de preto passou a se desentender com uma pessoa que estava conosco. Até ai sem novidades, nem ganhei a fita, afinal todos falam estranhos mesmo… Nisso o Marin Maison latino deu um tapa na garrafa de cerveja derrubando o litro, querendo causar. Eu que estava sentado ao lado, levantei e fiquei pronto pra guerra, né meu!? Pensei: “o moio azedo, vai vuar garrafa, cadeira pra todo lado” fiz as contas rapidamente “putz, é 5 rockeiro pra cada Tupac!”
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Ideia vai, idéia vem, as meninas que estavam conosco pediam pra eu sentar. Ficou nisso, e os caras saíram fora.
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No dia seguinte participei da cumbre dos povos. Um dia antes do Rei da Espanha mandar Hugo Chávez calar a boca. Na cumbre Evo Morales, o vice presidente cubano e Chávez falaram para uma platéia que lotou o estadio Nacional.
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“Hey pé di breque, vai pensando que ta bom!”
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A atividade foi aberta por grupos culturais de diversos países. O rap se fez presente na apresentação do próprio Leguayork. Após se apresentarem reencontrei Lulo e pude entregar uma cópia do DVD a ele.
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O presidente venezuelano também é personagem do documentário, aparece na abertura oficial do festival mundial de juventude de 2005 em Caracas. Por conta disto pretendia entregar-lhe uma cópia do filme. Por duas vezes estive lado a lado de Chávez. Mas não consegui entregar o DVD, graças a maravilhosa imprensa chilena se acotovelando com brutalidade. Lulo teve mais sorte e conseguiu entregar a Chávez um CD de seu grupo.
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A segunda atividade que participei foi um seminário de juventudes política de esquerda. Que aconteceu num charmoso casarão, que abriga hoje o museu Salvador Allende. Mas não foi sempre assim. O local foi base da Cia na época do golpe militar. Estávamos no sotão, onde no passado abrigava maquinas de escuta telefônica. Em outros aposentos aconteciam torturas e reuniões conspiratórias.
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Enquanto preparavam para exibir o vídeo do ex-presidente chileno. A senhora que preside o museu, de aparência frágil e olhar sereno. Falava pausadamente sobre a trajetória estrondosa de Allende: “100 anos, 1.000 sonhos” quando derrepente...
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Tudo tremeu tiu! Foi como se embaixo de nós houvesse uma estação de metrô, uma escola de samba e um uma britadeira. Acho que estarmos no sotão de piso de madeira amplificou o efeito. O pânico tomou conta dos rosto de todos os quase 30 jovens de todo o conesul presente na sala, tudo isso durou eternos, 3 segundos.
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A senhora com o mesmo olhar sereno e mesma calma. Explicou que o Chile é o país de maior atividade sísmica do mundo. O que explica a formação das cordilheiras. E completou provocando: “Assim fico com dúvida da coragem revolucionária de vocês!”
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Neste dia, se encerrava a Semana da Arte Moderna da Periferia em São Paulo. Contei rapidamente dessas coisas para esse grupo. Na terra do poeta Pablo Neruda falei de Sergio Váz. O seminário foi encerrado com o ex-presidente Chileno Ricardo Lagos.
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Fui para Légua, bairro que expirou o nome do grupo Leguayork, onde Lulo vive com sua família, que esta crescendo, sua esposa está no oitavo mese de gestação, acompanha Lulo em todos os eventos. Dizem que Légua é o bairro mais violento do Chile. Assim que entrei em sua casa, tive a certeza. Vendo seus animais de estimação Papelucho, Salvada e Mona. Respectivamente um papagaio, um gato e uma cachorra. Como pode no lugar mais violento papagio, gato e cachorro viverem em harmonia? A pessoa mais perigosa que vi em toda minha estada no Chile, foi no espelho.
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Vieram me contar depois, que o rockeiro brigão ficou de segundas só pela forma que levantei e fiquei encarando. Quis saber quem eu era e quando soube que era brasileiro gelou de vez. Foi isso que apaziguou a briga. Comédia! Expliquei que no Brasil ninguém isquera pra dar as costas e sair andando como ele fez. Mas seria bom se tivesse esse dom de miá as treta só com olhar.
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Favela lá quando muito recente se chama “toma”, pois é considerado uma área que foi tomada. Conforme se urbaniza passa a ser chamada de “populacion”. E Legua deve ser a maior populacion do Chile, tem este nome por ficar a uma légua de distância do centro de Santiago. Cerca de seis quilômetros. Com excessão das coordilheiras tudo é plano. Ou melhor, segundo me contaram Santiago é um vale. Quando chove tudo fica debaixo d’agua.
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Fiquei alguns dias hospedo na casa de Lulo. Fomos para um Shopping Center que tem no seu subsolo algumas lojas como as da galeria da 24. Com artigos de reggae, rock e rap. A loja considerada mais undeground de hip-hop é de Alê. Comprei um livro de graffite lá e conversamos, também ganhei uns CD´s de rap chileno dele e dei um DVD do filme É Tudo Nosso! Ele colocou na hora pra assistir e a loja começou a lotar de gente. Uns assistiam e iam embora, outros comentavam, outros quiseram comprar o barato e foi ficando doido. Saí da loja estreita, e agora apertada e Alê me acompanhou, me devolvendo o dinheiro que havia pago pelo livro.
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Mostrou a quantidade de DVD´s de clipes e disse vender a cinco mil pesos. Pediu permissão para copiar o vídeo prometendo vender a mil pesos, valor somente do DVD virgem. “Não quero ganhar nada com o vídeo, o barato é o verdadeiro hip-hop e isso eu faço com prazer” dizia o lojista me agradecendo de uma forma embaraçosa.
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Outro lugar que não me sairá da mente. Foi quando andávamos numa grande avenida, dobramos numa rua esmagada por altos edifícios e a viela tortuosa e cada vez mais estreita se abria no final numa pequena praça com uma fonte no centro, onde outras quatro vielas se juntavam.
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Nesta praça havia um casarão velho, talvez condenado a demolição. Dentro abrigava um centro cultural que teimava acolher alegria pra um casa como as má assombradas dos filmes. A escada de madeira nos levou para o andar superior, os degraus tinham buracos, rachaduras nas paredes, uma velha lareira no fundo do salão onde nos reunimos com o piso em alguns pontos parecendo querer ceder.
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Todos pareciam indiferentes e mantinham a discussão acalorada em torno das ações culturais que o hip-hop faria. Na sala ao lado um grupo de dança ensaiavam as coreografias, no terceiro andar devia abrigar algumas trupe de teatro repassando o texto, músicos solavam suas novas produções, quadros e fotografias seguravam as paredes e cada comodo uma manifestação diferente... Comecei a ter um pouco de noção do quanto de vida e sonhos aqueles velhos aposentos ainda consegui abrigar. Notei que fomos treinados para ter medo de grandes casas, e nos contentarmos com nossos pequenos castelos.
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Por vezes ví Lulo nas ruas de Santiago pegando jornal do lixo, revista do chão, folheava com gosto como quem procura algo especifico e devorava cada letra com atenção, mesmo andando apressado entre a multidão. Extremamente bem informado, as vezes comentava uma notícia comigo, ou com sua esposa. Usava as páginas de anúncios que não tem muitas letras para escrever rap no percurso nos micro-ônibus.
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Já ví muitos dizerem que não lêem porque não tem dinheiro, ou que não escrevem porque não tem tempo. De Lulo não ouvi nem uma coisa, nem outra. Cachai!? Que a forma deles dizerem “tá ligado!?” Por falar em jornal o único que vi Lulo compra no meu último dia no Chile se chama El Siglo e para este havia dado um dia antes uma entrevista. (clique para ler)
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Antes de ir embora, ainda pude presenciar uma reunião de moradores de Légua, dirigida pelas lideranças do hip-hop em que propunham. “Vamos fazer um baixo assinado, para mudar o nome da rua das Indústrias para a rua Victor Jara.” A idéia é que esta rua se torne um espaço de produção cultural a céu aberto, com graffites, frases e trechos de músicas nos muros, eventos e que possamos brigar para que no futuro se crie o Centro Cultural Victor Jara.
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Contei a eles sobre a experiência da posse Rima & Revolução de Sorocaba. Que deram nomes de revolucionários brasileiros as ruas do habiteto. Como Zumbi dos palmares e até mesmo do rapper Preto Ghoéz. (Clique para ler)
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“Vale lembrar” dizia um dos moradores de Légua, “que a rua da Indústrias se cruza com a rua Salvador Allende”. Desta forma acontecerá o histórico reencontro trinta e quatro anos depois do golpe. Entre o primeiro marxista a chegar ao poder pelo voto do povo e o maior cantor popular do Chile. Um reencontro histórico.
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Éh! É bom ver que “O sonho existe!”
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*Toni C., DJ e produtor. Autor do vídeo documentario "É Tudo Nosso! O Hip-Hop Fazendo História", organizador do livro "Hip-Hop a Lápis" e membro da Nação Hip-Hop Brasil e da equipe do Portal Vermelho.

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