sexta-feira, 29 de junho de 2007

"TV digital, [des]controle remoto e o fim da carteirada" - por Israel do Vale

A pulverização das fontes de conteúdo vai mudar a cara [o sentido, o papel] da TV, queiram as emissoras comerciais ou não. Pode mudar desde já, com um mínimo de interesse [generosidade, curiosidade] dos executivos [e guerreiros de terracota] que atuam no dia-a-dia das televisões ou, com mais vagar, pela força-motriz das redes sociais e as ferramentas de produção e difusão oferecidas [de graça] pela Internet.
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A começar do fato de que, com a TV digital a pleno vapor [em coisa de dez anos, no máximo], este traste chamado televisor que todos temos em casa passa a ser um objeto em desuso, para museus. Mais que uma janela em alta definição com vista para o mundo, a TV digital é uma nova mídia - a exemplo do que já é a Internet e, dia após dia, se torna o celular.
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E isso impacta [e muito] a lógica que legitimou o fluxo de informações ou do que é hoje chamado, de forma mais apropriada, de conteúdo. Pra começar, a idéia do especialista terá de ser revista. E isso vale tanto para o profissional de comunicação [jornalista, radialista, publicitário] como para o músico ou o videomaker.
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Há muito tempo me posiciono contrariamente à obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo. E o que me move é um ponto de vista filosófico, digamos assim, que para mim está acima de qualquer corporativismo [que tem lá o seu papel, mas nem por isso me convence] e dos argumentos em defesa da garantia de emprego, do piso salarial e todas as bandeiras do proto-sindicalismo, [necessário mas] que cheira a naftalina.
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Não há nada que me convença de antemão, no cenário de hoje, de que uma música seja necessariamente melhor se for criada por um músico formado em conservatório ou em universidade do que aquela que um moleque de 14 anos pode fazer usando softwares gratuitos baixados e manipulados por qualquer um na Internet.
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O mesmo vale para o vídeo e a informação. Como no mundo formal da era analógica, sempre haverá bons e maus músicos, videomakers e jornalistas. Conhecimento, rigor e capacidade de conceituar [promover a crítica, a reflexão] podem sim fazer a diferença. Mas não necessariamente fazem.
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O que este momento histórico e a web 2.0 nos mostram é que as pessoas estão cansadas [como mencionou o ministro Gilberto Gil no lançamento da segunda edição da Teia, esta semana em Belo Horizonte] de serem tratadas como público-alvo.
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Nesta [bem-vinda] era do descontrole que se vive, os tempos são de protagonismo, de mudança de fluxos, de questionamento dos paradigmas e verdades estabelecidas. Se, de um lado, não cabe mais a carteirada [esse profissionalismo de diploma que bate no peito e pergunta se se sabe com quem se está falando...], de outro, nunca foi tão virtuosa a idéia de se pensar com as próprias pernas [ou de se andar com as próprias mãos].
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O pensamento encapsulado pelas amarras dos podes e nãopodes [venham elas da rotina profissional ou da academia] tende a ser engolfado por uma dinâmica diletante, de especialistas-não-especialistas.
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É isso que move e realimenta exemplos como os do canal de televisão por assinatura FizTV, primeiro rebento do recém-nascido núcleo audiovisual da editora Abril. Ou a política de remuneração de downloads agora adotada pela Trama Virtual.
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A web 2.0 trouxe à tona um novo perfil de cidadão: o cidadão ativo [criador-produtor-programador- difusor], dono dos seus olhos, senhor do seu nariz. E se, cada vez mais, as pessoas não se satisfazem em sentar na poltrona ou na frente do computador para "ouver" apenas o que foi pensado [formatado, empacotado] dentro de certos princípios [em geral, de fundo e apelo comerciais], é natural que tomem pra si o desafio de fazer diferente - ou o apenas de dar seus pontos de vista.
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E é aí que mora o frio na barriga. Ninguém arriscaria dizer aonde isso pode levar. E o projeto [decepcionante] de TV digital das emissoras comerciais espelha isso. A lógica é simples: na dúvida do novo [leia-se, do risco], melhor esperar. Ou antes: melhor evitar que as coisas saiam de onde estão. É a leitura mais tacanha da lógica do futebol, de que em time que está ganhando não se mexe.
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Arroubos [isolados] de interação com os novos tempos como o da FizTV [http://www.fiztv.abril.com.br/, que reproduz no Brasil um modelo já testado e aprovado no exterior] ou das reportagens em videolink da Agência Brasil (http://www.agenciabrasil.gov.br/mesmo passíveis de ajustes, são um alento de ousadia) avançam no conceito dos conteúdos colaborativos e de uma narrativa desdobrável e não-linear, que permita a intromissão do espectador.
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De outro lado, ações encabeçadas por jovens, como a experiência mineira da Rede Jovem de Cidadania, da Associação Imagem Comunitária [http://www.aic.org.br/], ou o projeto 100Canal da Fundação Casa Grande de Nova Olinda, no Ceará [site em construção] conectam firmemente o audiovisual com a experiência da vida-vivida, em direção a uma pretensa espontaneidade que a TV [esta farsa consentida] há muito já não sabe o que é.
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São exemplos de um frescor que faz falta. E que um projeto [participativo, atuante, cidadão] de TV digital pode potencializar, em favor de todos nós.
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* Israel do Vale é jornalista, curador na área de música, consultor de conteúdo e novos negócios em televisão e telefonia celular, além de editor do blog futurodamusica.zip.net. Para falar com ele, mande um email para: israeldovale@uol.com.br

** Texto originalmente publicado no caderno Magazine do Jornal O Tempo/BH - (01.09.2007)

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