terça-feira, 26 de junho de 2007

UNE 70 anos: Silvio Tendler fala dos filmes sobre a história da entidade


Diretor conversa com o EstudanteNet e conta como foi produzir dois documentários que traçam a trajetória de lutas da UNE ao longo de todos estes anos. Filmes serão lançados nesta quinta, no Rio de Janeiro

Acesse o VÍDEO produzido por Alessandra Stropp, do CUCA da UNE, da entrevista com Silvio Tendler na Videlog TV CUCA

Revolucionário? Silvio Tendler dispensa o termo para qualificar o seu trabalho. Prefere se ver como engajado. Na verdade, ele se diz um admirador e personagem ativo das transformações sociais. "Sou um lutador e tenho orgulho de participar desta caminhada com a minha arte". A arte no caso é o cinema, atividade que acompanha desde a década de 1960. Frutos desta paixão vieram obras já clássicas da filmografia brasileira, como "Os anos JK", "Jango" e "Glauber – o Filme".

Fez também curta, médias e longas sobre personagens importantes da nossa história, como Milton Santos, Josué de Castro, Castro Alves, Marighela e Getúlio Vargas.Na TV, revolucionou com a minissérie "Anos Rebeldes", em pleno 1992, época dos caras-pintadas e do Fora Collor.

Envolvido com a história do movimento estudantil desde 1979, quando registrou o congresso da reconstrução, em Salvador, Tendler lança nesta quinta-feira (9) o seu mais recente trabalho: dois filmes que destrincham os 70 anos da UNE ("Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil", focado na história política, e "O afeto que se encerra em nosso peito juvenil", que explora os aspectos culturais). A convite do projeto Memória do Movimento Estudantil, ele teve a missão de dirigir os dois documentários com base em mais de 300 horas de depoimentos.

Nesta conversa com o EstudanteNet, Tendler define sua verve pelo cinema-político, fala da paixão pelo cineclubismo, descreve a relação de proximidade com a UNE, e explica como é a sua relação com alguns personagens que contribuíram para o filme, como o músico BNegão, e os atores Dira Paes, Chico Diaz e Cássio Gabus Mendes.

Depois da estréia, os filmes ainda ficam em cartaz no charmoso Cine Odeon, na Cinelândia, no Rio de Janeiro, até o dia 17 de agosto, com sessões gratuitas às 17h. Abaixo, leia a íntegra da entrevista, seguida de um vídeo produzido pela integrante do Circuito Universitário de Cultura e Arte (CUCA), Alessandra Stropp.


Qual a sua relação com o movimento estudantil? Você militou em alguma entidade? Teve contato com os personagens do seu filme?
Sim, com muitos deles. Eu nasci em 50 e quando veio o golpe em 64 estava em pleno período de maturação. Todas aquelas lutas políticas fizeram a minha cabeça como cidadão, era a formação de uma geração que sonhava com o socialismo. Já tinha acontecido a revolução cubana em 59, e aquilo para nós era um exemplo. Depois, mais ou menos em 66, começaram a chegar as notícias da revolução cultural chinesa que também nos influenciou. Essas duas grandes vertentes, junto com a luta do povo vietnamita no sudeste asiático contra o imperialismo norte americano, foram cevando o gosto da minha geração pela rebeldia e liberdade.

E aí vieram os intelectuais brasileiros. O cinema novo, o teatro do Zé Celso... a música, os escritores, todos fazemos parte desta cultura liberal progressista até 67, quando chega a notícia da morte do Che Guevara. É quando a gente vai para a luta, começam os movimentos de rua, os movimentos estudantis.... eu já tinha uma paixão por cinema, já era cineclubista, em 68 fui eleito presidente da Federação dos Cineclubes do Rio de Janeiro. Passo então a militar enquanto cineclubista, exibindo filmes em favelas, sindicatos e, ao mesmo tempo, jogando pedra na polícia, participando das manifestações. É neste período que vou ter contato com os diversos companheiros que aparecem no filme.

Mas quando começa a filmar de verdade?
Depois, em 1970, vou viver no Chile numa espécie de auto-exílio, no governo do Salvador Allende. Em 72 fui para a França estudar cinema. Voltei ao Brasil em 76 e comecei a fazer meus filmes, que já eram uma aposta do cinema político para ajudar nesta caminhada pela democracia. "JK" é um libelo contra a ditadura militar, mostrando que era impossível, ao contrário do que proclamavam os militares, ter desenvolvimento sem democracia. Fiz depois, ainda na ditadura, em pleno governo Figueiredo, o filme "Jango" que mostra aquela necessidade de que além de democracia deve haver justiça social. Eu venho nessa caminhada político-cinematográfica desde os anos 60.

Você é um cineasta revolucionário?
Olha, quero te dizer que sou um admirador da revolução, das transformações sociais, sou um lutador e tenho orgulho de participar desta caminhada com a minha arte. Participo das lutas político-sociais não apenas através de uma militância política como cidadão, mas também como artista. Acredito e posso dizer que o cinema é um formador de opinião, veja os filmes americanos, como eles formam a opinião da violência, do egoísmo. Nos meus filmes eu tento transmitir mensagem de solidariedade, democracia, de paz. Então, por isso, eu me vejo, sim, como um cineasta engajado.

Como veio o convite do Projeto Memória do Movimento Estudantil para você dirigir o filme sobre a UNE. Ficou surpreso?
Na verdade esse filme é meu! Em 1979, o Luiz Fernandes [diretor da UNE entre 1979 e 1981], que era meu aluno, chegou pra mim e disse: "olha, vai acontecer o congresso da reconstrução UNE em Salvador e você tem que filmar". Tentei uma verba com o DCE da PUC, mas acho que por questões políticas, eles não toparam bancar a minha viagem. Então dei um jeito com dois amigos. Pegamos o avião, dormimos no chão de casas de pessoas que nos convidavam, depois num hotelzinho lá bem fuleiro, por nossa conta, eu bancando película e tal, mas a gente filmou.

Então, desde 79 eu namoro essa idéia de contar a historia da UNE. Mas aí foram passando as gestões e por diversos fatores o filme não aconteceu. Até que no ano de 2006 eu recebo surpreso e feliz da vida o convite por parte do projeto. Para mim, foi na verdade a coroação de um sonho de juventude. E é por isso que eu digo brincando que este projeto era meu e só poderia ser meu. Qualquer outro não teria feito com a dedicação e emprenho que eu fiz.

Você ainda tem muito material sobre a UNE. Pretende fazer um outro filme futuramente ou acha que o resultado deste trabalho está suficiente?
A história nunca é suficiente. A história é um prolongamento de historias que rendem novas histórias. Na verdade, eu tenho um grande filme só, que é a minha vida. Mas, claro, que este filme de agora é mais uma parte essencial dela, porque ele aborda como o próprio hino da UNE diz "futuro e tradição". Entrevistei muita gente ao longo destes anos todos. Ainda posso fazer outro filme com todo o material que tenho e, com certeza, novos acontecimentos na UNE vão marcar os próximos anos.

De que forma se deu o processo de produção deste filme? Você teve em mãos mais de 300 horas de depoimentos. Como foi selecionar, editar, dar uma ordem cronológica para todo este material?
Tive que compilar estas entrevistas, cortar, transformar mais de 300 horas em dois filmes de 50 minutos cada. Acrescentei também materiais, porque nenhum projeto é perfeito, sempre existem algumas lacunas e tive que preenchê-las. Filmei, por exemplo, a quinta Bienal da UNE, que culminou com a retomada do terreno na Praia do Flamengo. Peguei também algumas entrevistas de épocas que não tinham sido abordadas. É um projeto bastante amplo e abrangente e, por isso, sempre vai deixar alguns espaços. Considero que é um filme que partir dele podemos construir outras milhares de pequenas historias que são tão importantes quanto essa que foi contada. Você tem várias visões do movimento estudantil e nenhuma delas jamais será o suficiente. Então, acho que este filme é para deixar as pessoas um pouco com fome, mas vai, de certa maneira, satisfazer uma curiosidade de conhecer e contar a historia desta entidade tão importante na formação de cidadãos. A UNE é uma escola que pega as pessoas num momento de formação e dá a elas uma injeção de cidadania que nenhuma outra atividade consegue dar.

Porque dois filmes?
O projeto original já previa dois filmes de 50 minutos, que é o formato para ser passado na televisão [os filmes serão exibidos no Canal Futura]. Então, no primeiro episódio, eu trabalhei a história política do país do ponto de vista do movimento estudantil. Resolvi dar o título de "Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil", que é um dos hinos que a gente cantava nas manifestações populares contra ditadura. O segundo episódio, "O afeto que se encerra em nosso peito juvenil", para não fazer uma coisa linear e não ser obrigatório a pessoa ver os dois filmes, eu trabalhei do ponto de vista da construção da história cultural do movimento estudantil. O movimento estudantil não é importante apenas pelo seu viés político, mas sobretudo pelo seu viés renovador da cultura brasileira. Eu cruzo estas historias de uma política cultural também com histórias afetivas de quem militou. É um filme montando em cima do afeto.

Os filmes contam com esquetes teatrais do grupo carioca Tá na Rua e participações especiais, como do músico BNegão, e dos atores Chico Diaz e Dira Paes. Como este pessoal entrou na história?
Primeiro, todo mundo tem muita carinho com a UNE. São pessoas com idéias inovadoras, com uma vontade de mudar o mundo. Agimos às vezes muito preconceituosamente, achando que apenas os políticos vão mudar o mundo. Eu acho o contrário, acho que os políticos não vão transformar, mas que eles serão nossos agentes na medida em que a sociedade os pressionar. A minha forma de pressionar a política é fazendo arte. Eu acredito que esses artistas também. O BNegão é um cara absolutamente engajado, antenado. Eu conheci o BNegão quando tava montando a trilha para este filme do Milton Santos [o seu último filme: "Milton Santos ou: o mundo global visto do lado de cá"]. Me falaram que eu tinha que ouvir o cara. Ouvi, gostei e o convidei. Ele veio e fez na boa. Depois, chamei ele e disse: agora eu quero misturar as coisas, quero te jogar aqui cantando "subdesenvolvido". Ele falou: "legal, na maior" [rs..]. Então, é isso. Ele abraçou os projetos e eu achei interessante misturar, colocar um cara que eu não conhecia, mas que tem um trabalho muito importante na música.

Você gosta de rap?
Eu entendo cara. Entendo e admiro tudo o que é novo. Acho que a gente não pode ser antenado pelo passado, não podemos ficar paralisados, temos que ser contemporâneos de nos mesmos. Eu gosto de música boa. Quer dizer, BNegão eu gosto muito. BNegão é rap? Então eu adoro. Não gosto de grossura, não gosto de maldade, de violência. Essas coisas eu não gosto. Agora, eu sou contemporâneo de mim mesmo e adoro o BNegão. Assim como adoro o Carlinhos Lyra, que não tem nada a ver com o BNegão, e coloquei os dois cantando a mesma trilha, os dois contando "subdesenvolvido".

E o ator Cássio Gabus Mendes. Como rolou o convite?
Tinha trabalhado com ele na minissérie Anos Rebeldes, quando ele era um dos personagens principais, fazendo um revolucionário. O Cássio foi uma referência ali no começo da década de 90 por causa do seu papel, daí achei que eu podia fazer essa citação. Ele veio na boa, adorou fazer o filme. E tem o Amir Haddad, com o seu teatro de rua, que é uma escola de teatro ambulante. O Chico Diaz, a Dira Paes, todo esse pessoal novo que eu adoro. Eu quis misturar estéticas. Não quis fazer um cinemão, nem um cineminha. Não quis fazer uma coisa mambembe, nem quis fazer superprodução. Na verdade, a química foi misturar talentos.

Qual a sua opinião sobre o movimento estudantil hoje? Acha que o jovem está menos politizado, menos mobilizado?
Não concordo. Sou um otimista, olho para o futuro. O jovem de hoje é diferente do jovem da minha época. As pessoas dizem: "porra, a sua geração que foi legal e tal". Eu não me sinto um cara da resistência heróica, sou é um lutador que tem ainda pelo menos mais dez anos de vida útil para combater. Então, quero continuar lutando junto com os que vierem por aí. A cada safra existem formas de expressão pública diferentes, mas parece que a gente sempre fica olhando para o outro com inveja da ação dele. Na minha geração também acontecia isso, quando vinha um e falava: "porra, legal são os estudantes franceses, que tão lá nas ruas, com barricadas, aqui é essa coisa chinfrinha...". Ai eu falava para uns primos meus: "aqui no Rio é que vocês brigam legal, lá em São Paulo não acontece nada disso....".

Aonde a gente estiver você vai perceber que está acontecendo alguma coisa. Na verdade, é o que eu digo no final do filme: "podem não ser todos, mas são muitos". Então, em qualquer momento, em qualquer lugar vai ter gente pulsando, gente fazendo coisas que vai passar para a história anos depois como ação de uma geração. Em 92, quando eu estava fazendo anos rebeldes, umas jovens vieram me entrevistar, uma semana antes dos caras-pintadas na ruas. Elas falaram: "poxa, a sua geração que era legal, que brigava nas ruas, a nossa não faz nada". Eu disse: "fica tranqüila, que a sua já já vai se manifestar". Uma semana depois estavam nas ruas, entendeu?

E hoje o jovem encontrou outras formas de se manifestar...
A crítica que eu faço não é para a geração, faço é uma crítica ao aparelhamento e o engessamento das organizações. Acho que os partidos políticos tem que tomar muito cuidado com esses estreitamentos e tratar das possibilidades de abertura para todas as vertentes de expressão política e cultural. Por isso esse desencanto que está acontecendo em relação à política em geral, porque está todo mundo um pouco com descrença. Agora, você não pode abrir mão da democracia porque discorda da ação dos partidos políticos. Tem que estar dentro da luta política para ajudar a transformar. Os estudantes têm que participar de alguma maneira e acho que a UNE, com todas as possíveis críticas que se possa fazer, está aí nas ruas, se manifestando contra o Bush, pela reforma agrária, em defesa da educação... O caminho é este mesmo, não acho que o jovem de hoje seja alienado, é um jovem diferente que está preocupado com o espaço dele neste mundo globalizado, mas, todos os dias, as pessoas estão se fazendo mais conscientes e vão lutando mais.

Como avalia os meios digitais e essas novidades tecnológicas?
Eu acho a tecnologia digital fundamental. As tecnologias hoje favorecem como nunca as expressões políticas. Lamento muito que alguns jovens e alguns professores, sobretudo, estejam mais preocupados em incentivar uma arte alienada que, entre aspas, chamam de vídeo arte, do que desenvolver uma expressão própria cultural, com viés social. Os novos meios tecnológicos podem proporcionar grandes revoluções.

Além do filme da UNE, você está lançando outro sobre o Milton Santos e trabalhando no "Utopia e Barbárie". Como será este novo filme?
O "Utopia e Barbárie" é um filme sobre o ponto de vista, o olhar do mundo a partir de uma pessoa que fez 18 anos em 68. UM jovem estudante e que viu todas as transformações que foram se operando da metade do século passado até agora. Vou lançar no ano que vem em comemoração aos 40 anos de 68.

E estou lançando agora outro filme "O Encontro com Milton Santos ou o Mundo Global visto do lado de cá" [com estréia marcada para o dia 17 de agosto]. É um filme que é fundamental, é um outro olhar sobre a globalização, não é um olhar produzido pela grande mídia mundial, mas um olhar produzido por um intelectual do mundo cone sul junto com um cineasta do cone sul.

Em toda a sua trajetória são mais de 40 filmes, quase uma média de um, dois filmes por ano. Você está cansado?
Eu não. Eu me alimento disso. No dia em que eu parar eu morro. Me alimento de cinema e amor. Vou continuar gerando filmes que gerem idéias e reflexões e, sobretudo, que sintonizem as mudanças possíveis e necessárias no mundo.


Rafael Minoro

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